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CAPÍTULO XXI História do Direito no Brasil Colônia (1500-1815) 21.1 Os direitos indígenas na “Terra de Santa Cruz” Ao contrário do que ocorre em outros países das Américas, o Brasil se ressente da ausência de uma literatura jurídica especializada, que contemple em seu bojo um relato seguro sobre os direitos ancestrais da imensa população autóctone baseada em nosso território. Ainda raros e extremamente exíguos são os estudos desenvolvidos por juristas pátrios a abordar os direitos tradicionais de nossas nações indígenas. Apenas alguns antropólogos enveredaram, circunstancialmente, no trato desses significantes assuntos. Assim, a temática torna-se um quebra-cabeça por vezes inextrincável, posto que suas peças principais acabam por se perder no horizonte dos tempos e da carência de tão necessárias fontes sobre o assunto. Ademais, com os morticínios por aqui ocorridos e o crescente processo de assimilação cultural, as pesquisas sobre as percepções do universo da legalidade entre os povos nativos transformaram-se num desafio cada vez maior, de difícil solução. Some-se a isso o fato de que a previsão de tópicos relacionados à “Antropologia Jurídica” nas matrizes curriculares dos cursos de Direito, algo que naturalmente poderia despertar o interesse sobre a matéria, somente ganha força em 2004, com a entrada em vigor da Resolução n. 9 do Conselho Nacional de Educação. De outra sorte, é sabido por todos que o vigoroso modelo de colonização ibérica nestas terras, tendo em vista impor a completa subjugação dos primeiros habitantes do país, demonstra facilmente que as percepções jurídicas indígenas desapareceram quase que por completo, tendo elas em nada influenciado a construção do pensamento jurídico nacional. Como previsto, as conversões forçadas, desde pronto, permitiram a descaracterização de hábitos e costumes, afetando, desde o início de nossa história, as noções jurídicas originais. Nesse sentido, o objetivo lusitano sempre esteve muito claro, conforme se pode perceber a partir de uma breve leitura do famoso documento que deu conta a D. Manuel, rei de Portugal, acerca do “achamento” do Brasil ou, à época, “Terra de Santa Cruz”. Pode-se dizer que a Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rey (1º de maio de 1500) é o primeiro relato antropológico do “homem brasileiro”. O famoso escrivão que acompanhou a nau de Pedro Álvares Cabral narra de modo bastante simpático e curioso o encontro entre estes dois mundos tão distintos, porém, sem se esquecer, como súdito leal aos propósitos de Estado que era, de sugerir que o melhor a se fazer é “salvar esta gente”, tendo por fim o “acrescentamento da nossa fé”. Ora, tal postura não é motivo de surpresa, considerando que os impérios, em dado momento de suas trajetórias, chamam a si a empresa civilizadora do mundo e no caso dos iberos, que no início da Idade Moderna se tornaram os perpetuadores de ideais eurocêntricos699, isto não seria de modo algum diferente. Os lusitanos que por aqui aportaram, como qualquer outro forasteiro vindo d’além-mar, julgavam-se superiores às gentes locais. Assim, não se pode esperar que a documentação e os relatos dos cronistas dos séculos XVI e XVII venham a suprir as imensas dúvidas que pairam sobre a noção de legalidade dos nativos ou sobre sua particular impressão acerca dos invasores do Velho Mundo. No entanto, essa “consciência legalista”, algo tão obstinadamente exigido por nossa cultura dogmática e positivista, não encontra a ressonância teórica adequada nestes casos. As razões para isso resumem-se ao fato de que a expectativa do senso comum se ancora na esperança de que este “outro”, colonizado e profundamente desvalorizado por quem se fez circunstancialmente mais forte e cruel, não possua algo que se julga ser de teor “eminentemente jurídico”. Outrossim, a descrição sobre o direito autóctone é, pelo menos no caso brasileiro, acidental e despropositada, ou seja, incapaz de revelar o real sentido das regras de determinado grupo indígena, mesmo porque elaborar compêndios doutrinais sobre regras tribais não foi jamais a intenção dos desbravadores que por estes trópicos se enveredaram. Os viajantes, quando muito, dão conta apenas de suas impressões pessoais sobre uma terra estranha a seus olhos, povoada por habitantes intrigantes e curiosos. Vale notar que nem mesmo no vasto território das Missões jesuíticas sobreviveram os direitos indígenas locais, sendo os mesmos suplantados por regras e medidas administrativas inspiradas nos cânones e na sólida tradição jurídica europeia. No Brasil, as reduções começam a ser implantadas a partir de 1549, graças à chegada do Governador-Geral Tomé de Souza (1503-1579) e dos seis primeiros clérigos da Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Santo Inácio de Loyola (1491-1556). Mas o objetivo final dos padres guiados inicialmente por Manuel da Nóbrega (1517-1570) era o de evangelizar as populações nativas das colônias e refrear a todo custo as práticas religiosas consideradas não cristãs. Assim, consequentemente, sucumbem também os delineamentos de uma civilização milenar, dona de usos e costumes imemoriais, restando, por assim ser, muito pouco para se falar de seus direitos primitivos. Somente alguns raros europeus, como o Padre José de Anchieta (1534-1597), excepcionalmente, se preocuparam em preservar a cultura aborígine: é de sua autoria a primeira gramática da língua tupi, apesar da existência dos outros múltiplos idiomas falados no Brasil Colonial em função da diversidade étnica prevalecente entre os indígenas locais. Enquanto isso, na vanguarda ibérica, coube ao teólogo espanhol Francisco de Vitória (1483-1546) contestar, com a autoridade doutrinal que lhe era peculiar, o modelo de ocupação responsável pela opressão e pelos indizíveis tormentos infligidos aos nativos do Novo Mundo. Entretanto, o massacre já se anunciava no horizonte da América Hispânica, sendo até hoje mui dificultosa a tentativa de mensurar o número de vítimas. Outros como António de Montesinos (data de nascimento desconhecida-1545) e Bartolomé de las Casas (1474-1566) igualmente se converteram à nobre causa da defesa dos índios e as vozes desses notáveis intelectuais da Igreja começam, ainda que de forma incipiente, a chamar a atenção dos círculos acadêmicos para a problemática em torno da questão. No Brasil, o longo ciclo da monocultura da cana-de-açúcar passou a exigir maior contingente de trabalhadores e, assim, antes do tráfico negreiro se disseminar, foi o elemento indígena o primeiro a ser feito escravo nestas terras. Em 1570, uma Carta Régia restringia os desmandos causados pelos colonos a essa gente, proibindo a subjugação aos conversos, apesar de autorizar (mediante “guerra justa”) a captura de indivíduos hostis que insistissem abertamente no conflito e que, porventura, praticassem a antropofagia. Sem embargo às considerações iniciais, pelo eventual interesse a ser suscitado entre nós, creio que merece menção aqui o fabuloso trabalho de caráter jus-sociológico conduzido na Argentina pelo magistrado Manuel Moreira em meio a uma tribo de origem Guarani, os Mbya. Não se olvide que esta grande etnia sempre habitou outros territórios além das terras do Rio da Prata, tais como o Paraguai e também o Brasil, o que justifica maior atenção à pesquisa realizada pelo jurista, desde que guardada a ressalva necessária quando se tem por escopo qualquer abordagem do gênero. Assim, tornar-se-á possível colher algumas pistas nesse universo, apesar de não querermos em nenhum momento inferir que estas sejam, necessariamente, aquelas regras a vigorar entre os guaranis brasileiros no período que antecedeu a chegada dos portugueses. Aliás, o próprio estudo de Moreira guarda uma importante ressalva, a de que a tribo em destaque “já perdeu sua remota originalidade” e tornou-se “desfigurada pela conquista e as práticas hegemônicas etnocidas de centenas de anos”700. De todo modo, deve-se admitir que o referido professor universitário, nascido na região das Missiones, realizou importantes descobertas em seu trabalho de campo. Uma delas refere-se ao fato de que os Mbya já pautavam a gradação das penas a serem aplicadas de acordo com a gravidade dos delitos praticados. É evidente que, em se tratando de um direito puramente arcaico, o sagrado passa a permear por completo as percepções jurídicas iniciais, fazendo dos ritos que incondicionalmente acompanham as punições o mecanismo para que o indivíduo alcance a devida expiação e, assim, ajuste seu comportamento indesejável à ordem ditada por meio social701. No âmbito dessas sociedades ágrafas existiram diferentes modos de solução de controvérsias702. É comum uma pessoa proeminente decidir sobre alguns crimes. No caso dos Mbya o “cacique” (Opyguá ou mburuvichá) se pronuncia acerca dos “delitos leves”, deixando a cargo de uma assembleia tribal (Aty Guazú) as demais decisões a serem tomadas. Moreira até mesmo se refere à existência de uma espécie de “código penal Mbya”, sem, logicamente, querer dizer com isso que esse sistema de regras fosse escrito. O autor identifica três delitos considerados de maior gravidade para a sociedade guarani, objeto de seu exame, quais sejam, o homicídio, o estupro e o rapto de mulheres e um sem-número de infrações mais brandas703. Outro grupo indígena importante no decurso de nossa história e particular formação cultural, citado nominalmente no Regimento de 1548 de Tomé de Sousa, foi o dos Tupinambá, do qual “Tupi” é o gênero. Os contatos dos portugueses, franceses e outros europeus com estes nativos são razoavelmente bem documentados e cuidam de descrever as relações mantidas com os estrangeiros, que, de amigáveis, poderiam tornar-se extremamente hostis. A eles se dedicou o mestre Florestan Fernandes compondo um rico estudo apoiado em fontes que remontam aos séculos XV e XVI. Essas tribos habitaram diferentes regiões brasileiras, que se estendiam do Pará e Maranhão até os territórios mais ao sudeste e sul. A vastidão das áreas abrangidas pela presença tupi pode ser explicada pelos intensos e variados fluxos migratórios que acompanham a trajetória da nação em busca de uma espécie de “Paraíso” a que aspiravam ardentemente encontrar, ou seja, a “Terra sem Males”704. O primeiro capítulo do “Direito tupinambá” e, por conseguinte, dos direitos indígenas nacionais, foi publicado na Europa no ano de 1557. Os apontamentos foram escritos pela pena segura de um destemido aventureiro chamado Hans Staden (1525-1579). O alemão, em suas festejadas memórias, Duas Viagens ao Brasil, reservou especial trato à ordem jurídica entre os nativos. A conjugação de tantas informações esparsas alcança consolidação e análise epistemológica adequada nos estudos levados a cabo por Florestan Fernandes. O autor ensina que, a exemplo dos Guarani, possuíam também os Tupinambá uma espécie de conselho tribal, presidido pelos mais velhos, que tinha ampla competência, entre outras coisas, para decidir sobre assuntos relacionados às declarações de guerra e sobre o destino de algum prisioneiro705. Igualmente, a vingança fundada no talião e em compensações diversas era parte do cotidiano desse grupo indígena706. Todavia são as regras acerca de seu direito de família aquelas que se mostram mais acessíveis ao nosso conhecimento, especialmente as normas sobre casamento e divórcio. A mais corriqueira modalidade de enlace na sociedade tupinambá é a que se traduz na união entre o tio e sua sobrinha, cujo propósito maior era o de manter perenemente coeso o grupo familiar707. A menina não estava condicionada à aceitação do esposo pretendido pela parentela que orquestrava os esquemas e alianças matrimoniais, porém, quando o rejeitava, sujeitava-se às sanções impostas pela tribo. Os casamentos com não parentes não estavam proibidos pelo direito, mas resta inequívoco que todo e qualquer laço ou vínculo realizado entre os Tupinambá exigia a prévia aprovação da família, a começar pelos pais e irmãos da futura noiva708. Como bem alude Melatti sobre a matéria em questão, o casamento constitui-se numa “aliança entre grupos” onde “unem-se clãs, unem-se linhagens, unem-se aldeias”709. Além dessas duas formas, existia a aliança celebrada entre primos710. Houve, igualmente, a prática do “levirato”, basicamente, nos mesmos moldes daquela união admitida pelos hebreus711. Florestan Fernandes ressalta que o divórcio era bastante frequente e não exigia maiores formalidades entre os Tupinambá, cabendo a iniciativa de requerê-lo a qualquer um dos cônjuges. Em se tratando da ocorrência de adultério, a comunidade aldeã mostrava-se bastante complacente para com os homens, sendo que os amantes, nessa situação, alcançavam a isenção no que diz respeito a maiores transtornos ou punições. A mesma realidade, contudo, não era verificável no caso da esposa, que poderia ser repudiada ou até mesmo morta pelo marido traído. Norma curiosa do “Direito Tupinambá” era a que proibia as grávidas de manterem relações sexuais com seus cônjuges, pois, no imaginário indígena, isso correspondia à ideia de “incesto”712. O instituto da escravidão existia entre os Tupinambá, porém os servos eram tratados com respeito ímpar, sendo-lhes assegurada a liberdade de locomoção no interior da aldeia. Sabe-se que estes, não raro, chegavam a receber por esposa uma das filhas ou irmãs das mãos daqueles sob cujos auspícios estavam, ou, ainda, permitiam-lhes tomar por companheira a viúva de um combatente. Às esposas incumbia-se a necessidade de prestar a devida honra ao marido e, por ocasião de seu falecimento, cumprir com todas as obrigações inerentes aos ritos fúnebres tupinambás713. Nos parágrafos acima, dentro das possibilidades, buscamos trazer apenas um substrato, a essência do universo jurídico dos dois grupos indígenas (os Guarani e os Tupinambá), que foram extremamente importantes no decurso de nossa longa história e peculiar formação. Não se olvide, entretanto, a diversidade cultural que nos caracteriza, tradutora da complexa rede humana que compõe a “civilização brasileira”. Registre-se, de antemão, que foram numerosas as etnias a povoar o solo pátrio, cada qual com costumes e percepções jurídicas diversificadas, sendo que a grande maioria delas, por motivos óbvios, não poderá ser jamais reconstituída. Convém ressaltar que a brevíssima e despretensiosa abordagem que se fez, sobre os direitos dos povos autóctones, não ilustra qualquer objetivo no sentido de esgotar o assunto, apesar de deixarmos aqui consignada a observação de que tais temas ainda recebem pouquíssimo trato pela doutrina nacional. Muito desta própria postura hodierna ainda é o reflexo do olhar legado pelo colonizador luso-hispânico, que se mostrava desinteressado pelas representações da cultura local, perdidamente imerso num cotidiano marcado pela exploração e pelo acúmulo de riquezas. Some-se o fato de que os direitos indígenas em nada se refletem na construção do modelo jurídico nacional e encontraremos os motivos imediatos para a completa desconsideração dos estudos antropológicos de tal natureza. O Direito português, fundado em matrizes latinas históricas, dogmáticas e tradicionais, a saber, “romano-canônicas”, era apenas mais um dos instrumentos de poder colocados a serviço de um império em crescente expansão. Portanto o teor teocrático das ideologias reinantes à época das descobertas na Ibéria, especialmente no que concerne à relação a ser mantida com os conquistados, das quais já falamos anteriormente, fez com que as eventuais práticas jurídicas indígenas, os hábitos e os costumes imemoriais aborígines fossem largamente desdenhados pelo olhar altivo de alguém que se julgava dono de uma cultura infinitamente superior. Destarte, não por acaso, nos tempos do Brasil Colonial esta “justiça estatal” – como bem admoesta Wolkmer – apenas admitiu o “Direito indígena como uma experiência costumeira de caráter secundário”714. Entrementes, muito bem-vindas e sensatas qualificam-se as palavras de Cunha Bueno quando a este cumpre salientar que “não se há de ignorar valor histórico ao direito indígena, conquanto igualmente inegável sua aplicação em nosso território na fase que antecedeu a colonização. Negar-lhe a existência seria o mesmo que ignorar a civilização originariamente brasileira”715. 21.2 O Direito no Brasil Colonial (1500-1815) Abordaremos logo a seguir o Direito no Brasil Colonial, que, como veremos, não é propriamente um “direito nacional”, mas antes, o ordenamento jurídico vigente na Metrópole e em seus domínios. O período se estende da data oficial assinalada para a descoberta empreendida por Pedro Álvares Cabral, em 1500, ao ano de 1815, quando o território ultramarino, juntamente com Portugal e Algarves, é elevado à condição de “Reino Unido”, assumindo, portanto, novo status jurídico. 21.2.1 O sistema das capitanias hereditárias e suas implicações jurídicas A implantação das chamadas “capitanias hereditárias” não consistiu na elaboração de um modelo original de ocupação territorial cuja idealização se destinava à realidade ditada pelas circunstâncias do “Novo Mundo”. Os portugueses já o haviam experimentado por ocasião de algumas de suas descobertas. Por aqui se sabe que a sistemática redundou no mais completo fracasso em função do modo de divisão do solo, de dificuldades de adaptação com o clima nos trópicos, pestilências, conflitos com os povos indígenas e, principalmente na grande maioria dos casos, a inviabilidade econômica do negócio, apesar de a iniciativa em torno da criação de capitanias hereditárias ter sobrevivido até mesmo à instauração dos chamados “Governos-Gerais” no ano de 1548. No caso brasileiro, observa-se que o litoral foi recortado por linhas horizontais, e as terras foram entregues aos seus donatários, todos eles escolhidos pelo beneplácito do cetro real. Esses dignitários eram, mormente, pessoas ligadas à nobreza de Portugal. Os limites da capitania guardavam a imprecisão comum ao período histórico em destaque, sendo definidos pela Coroa Portuguesa, que, para tanto, fundava-se em mapas precários. O Regimento de 1548 que Tomé de Sousa recebera das mãos do rei já expressava a preocupação com a demarcação dos contornos da capitania. Questão complexa aos olhos dos juristas consiste na tentativa de se definir com segurança a chamada “natureza jurídica das capitanias hereditárias”. Sobre o assunto em tela, Walter Vieira do Nascimento contesta a tese apresentada por César Trípoli, de que estas se configuravam numa espécie de “usufruto”, pois “o direito do beneficiário” – alude acertadamente – “não se extinguia com sua morte, isto é, o seu direito se transmitia por sucessão hereditária”716. Também, insiste ainda o mesmo autor na contraposição às opiniões de Trípoli, em função do fato de as “capitanias” serem “inalienáveis”, “não se pode falar puramente em ‘enfiteuse’, mesmo porque esta não decorria da relação entre soberano e o donatário, mas de ambos com terceiro”717. Jônatas Luiz Moreira de Paula718 igualmente se debruçou sobre os pormenores do tema em pauta rechaçando, desde pronto, duas correntes, sendo que a primeira delas consiste na defesa da tese de que as capitanias seriam “concessões do Estado, à semelhança das atuais concessões de Direito Público”. Para o professor isso não seria possível haja vista que “a atuação dos capitães-donatários era de trazer o Estado Português ao Brasil recém-descoberto, por isso era uma empreitada muito mais ampla que a simples concessão de um serviço público” e do mesmo modo “não se poderia conceber essa empreitada como uma empresa capitalista, visto que os capitães donatários exerciam função pública”. As demais discussões – adverte o jurista – sobre se as capitanias “eram simples privilégios concebidos a fim de colonizar o Brasil” ou “privilégios concedidos por haver um sistema feudal” renderão outros tantos debates jurídicos, cuidando o autor de destacar, ainda, após exposição de diversos pareceres na doutrina pátria, que “fica demonstrada a polêmica a respeito da natureza das capitanias hereditárias, questão que ainda ganhará espaço na história jurídica brasileira em face da diversidade de interpretações que somente o tempo poderá melhor responder”719. De qualquer modo, como convinha aos ditames da práxis da época, o monarca lusitano expedia os documentos legais necessários ao bom logro da colonização. Cabe a nós adentrarmos os meandros jurídicos inerentes ao seu processo de implantação. Dois, basicamente, eram os diplomas legais administrativos preliminarmente necessários. O ato jurídico inicial que investia o donatário de garantias e privilégios gerais se consumava através de uma “Carta de Doação”, cujas características remontam à tipicidade e às tradições delineadoras das relações feudo-vassálicas, que se faziam acompanhar por solenes juras de lealdade. Por meio dela autorizava-se a posse de determinado território na colônia, que somente poderia ser transmitida hereditariamente, in casu, ao sucessor imediato – o filho mais velho (seguindo na esteira da influência do Direito nobiliárquico, que regulava as relações entre nobres)720. Já a chamada “Carta de Foral” ou, mais precisamente, o “Foral” era também um diploma legal de origem medieval, utilizado especialmente na Península Ibérica com a finalidade de se promover a organização administrativa dos vilarejos a serem criados em determinada região721. Os “nossos Forais” guardavam sua particular singularidade dado o contexto em que eram utilizados, levando-se em conta que as terras recém-descobertas ainda precisavam ser desbravadas e povoadas, mostrando-se, portanto, carecedoras de toda a infraestrutura necessária ao seu pleno desenvolvimento. Os direitos outorgados permitiam ao beneficiário proceder, a seu juízo, às medidas relativas à concessão de terras aos colonos interessados em cultivá-las, e que por aqui tivessem a intenção de se estabelecer em definitivo. Mas toda esta sorte de providências era feita sempre às expensas do donatário, não devendo este esperar da Coroa mais do que aquilo que já lhe fora oferecido. Essa situação somente vem a se modificar a partir de 1548, com a implantação dos “Governos-Gerais”. O donatário, como procurador imediato do Rei a viver em lugares ermos e distantes de Lisboa, também era o responsável-mor pela manutenção da ordem, possuindo amplíssima competência jurisdicional em matéria civil ou criminal. A exploração das matérias-primas locais e a dotação de condições de produção local para fins comerciais lhe eram igualmente outorgadas como parte do propósito maior contido no “Foral”, desde que observasse a parte que lhe competia encaminhar à Coroa. Nestes primeiros tempos o extrativismo do pau-brasil e o engenho de açúcar tornaram-se os vetores da economia da colônia, considerando que a cobiça pelo ouro e pelas pedras preciosas só dariam alvo para sistemática e regular investida mais tarde, com o ingresso dos bandeirantes nas matas interioranas movidos por esses ciclos. 21.2.2 Leis para reger as relações dos colonizadores com os povos indígenas As segundas iniciativas de cunho jurídico adotadas pela Metrópole que se destinavam ao governo das colônias consistiram em delimitar os contornos das relações a serem mantidas com os nativos. O contato inicial, conforme relatou Pero Vaz de Caminha com acuidade nos detalhes, foi marcado pela cordialidade entre as partes. O que o escrivão oficial do Rei não poderia prever era que esta amizade inicial não seria capaz de assegurar uma duradoura paz para os dias vindouros, pois o futuro seria tragicamente marcado por sangrentas guerras de conquista e conversões forçadas. Não é de se surpreender, portanto, que as tais práticas fluíssem sempre em consonância com o itinerário de conquistas e subjugação destes “Impérios Mercantis e Salvacionistas”722, só para fazer jus à oportuna expressão de que se valeu o mestre Darcy Ribeiro. A legislação colonial a tratar da condição do silvícola brasileiro não é de modo algum escassa, sendo que aquele “Regimento de Tomé de Sousa” de 1548 constitui apenas a regra jurídica inicial, ou seja, a pedra angular a inaugurar o trato do problemático e instável relacionamento observado nos trópicos com a gente nativa. Mércio Pereira Gomes, a esse respeito, informa que “as primeiras leis e recomendações de como se relacionar com os índios estão contidas nos regimentos que o rei dava aos capitães de navios que fossem comerciar nas terras do Brasil”723. Imagina-se que muitos desses documentos, por acompanharem as naus em sua fastidiosa jornada, acabaram se perdendo, deles se tendo pouca ou rara notícia. O dito Regimento de 1548 constituía-se de instruções gerais da parte de D. João III (1502-1557) à administração de Tomé de Sousa. Instava o nobre lusitano à necessidade da tomada de providências visando à centralização do governo na “Bahia de Todos os Santos”. A iniciativa demonstrava uma clara preocupação com a defesa da colônia contra eventuais interesses externos, dotando-a de todos os armamentos e guarida destinada a tanto. A questão indígena, como não poderia ser diferente, está presente no corpo do documento. Ao governador do Brasil aconselha-se tratar do assunto com a devida prudência, evitando-se supérfluas indisposições; concedendo aos nativos o perdão sempre que possível, mas sujeitando-os quando necessário. Entretanto, registro aqui a abalizada crítica de Ibsen José Casas Noronha, em singular obra sobre o assunto: “A truculência do texto denota a gravidade da situação em que se encontravam as possessões portuguesas. Era declarada guerra aos índios que se sublevaram e que praticaram a antropofagia. A paz seria estabelecida somente no caso do gentio aceitar submeter-se às leis portuguesas”724. Igualmente, não se pode nunca perder de vista o fato de que os interesses lusitanos, nos primórdios da ocupação das terras de um “Novo Mundo” que agora se descortinava aos olhos europeus, era o de subjugar o índio por completo, de modo a submetê-lo aos rigores do trabalho escravo. Por isso mesmo, admoesta Bosi, “a colonização não pode ser tratada como uma simples corrente migratória: ela é a resolução de carências e conflitos da matriz e uma tentativa de retomar, sob novas condições, o domínio sobre a natureza e o semelhante que tem acompanhado universalmente o chamado processo civilizatório”725. A partir da segunda década do século XVI, a cana-de-açúcar, originária da Índia, encontrava clima ideal para ser produzida no Brasil. O elevado apreço e a grande procura pelo comércio da especiaria na Europa prometiam bons lucros a quem possuísse recursos para se dedicar ao seu cultivo. A lavoura, por sua vez, requeria braços fortes para o trabalho árduo. Inicialmente, os desbravadores lusitanos pensaram em utilizar a população nativa para a referida tarefa, mas esta não se adaptou. Pelas matas brasileiras a população indígena era constantemente capturada, aprisionada e entregue ao desiderato dos senhores do Tejo. Somente percebendo-se inviável a inserção do aborígine na empreitada é que se pensou em buscar escravos na costa africana, região esta que os portugueses já exploravam com algumas décadas de antecedência. Os desmandos praticados, não raro, chegavam ao conhecimento dos reis de Portugal, que, então, propunham uma legislação específica para tratar da situação. Como exemplo, tem-se a Lei de D. Sebastião de 1570. Ei-la subscrita abaixo em um de seus trechos mais importantes do acordo, conservando-se a ortografia da época: Defendo & mãdo, que daqui em diante se nam vse nas ditas partes do brasil dos modos que se atè ora se vsou em fazer catiuos os ditos gentios, nem se possam catiuar per modo nem maneyra algûa, salvo aquelles que forem tomados em guerra justa, que os portugueses fezerem aos ditos gentios com autoridade & licêça minha, ou do meu governador nas ditas partes, ou aquelles que custumam saltear os portugueses, ou a outros gentios pera os comerem: assim como sam os que se chamam aymures, & outros semelhantes. E as pessoas que pellas ditas maneyras licitaa catiuarem os ditos gentios, seram obrigados dentro de dous meses primeiros seguintes, que se começaram do tempo, em que os catiuarem, a fazerem escrever os tais gentios catius nos liuros das prouedorias das ditas partes, pera se poder ver, & saber quaes sam, os que licitamente foram catiuos. E nam ho comprido assi no dito tempo de dous meses. Ey por bem percam há auçam dos ditos catiuos, & senhorio. E que per esse mesmo feyto sejam forrros, & liures726. Importante destacar que pela letra da lei se reconhece e condenam-se formalmente os maus-tratos perpetrados contra os índios, que pareciam ser constantes e corriqueiros por estas plagas. A exceção aberta à possibilidade de imposição de escravidão aos povos autóctones é dirigida a todos aqueles que forem “tomados em guerra justa”, ou seja, considera-se a justificabilidade da beligerância quando os tais forem afeitos à rapina ou antropofagia. Interessante notar, conforme foi visto, que a legislação concede “dois meses” para que se proceda com uma espécie de registro público de todos os indivíduos capturados de maneira “lícita” e que, porventura, estejam submetidos a alguma espécie de autoridade do tipo senhorial. No entanto, mesmo com o direito em vigor, tem-se como pouco provável supor que a Coroa Portuguesa pudesse vir a reunir as condições favoráveis para verificar o cumprimento desta ou de qualquer outra norma outorgada pelo cetro do monarca a respeito da matéria. Assim, não seria destituído de senso asseverar que aquilo que foi legalmente disposto na Corte lisboeta para a gerência de sua maior colônia ultramarina, no que concerne à questão, nunca foi, de fato, observado. Como bem salientou Gomes a esse respeito, “considerando que uma lei, naquele tempo, levava de seis meses a um ano para vir de Portugal a seu local de destino, pode-se concluir que elas nunca tiveram um efeito real, a não ser provocar a ira de seus moradores, isto é, dos colonos ou fazendeiros que se utilizavam do braço indígena”727. Tanto é verdade que a Lei de Filipe de 1587728 mantém quase que literalmente a estrutura e os dizeres consagrados no texto de D. Sebastião. A única diferença é que a nova regra também dispõe, mais detalhadamente, sobre outros assuntos não tratados anteriormente, o que demonstra a existência de um formato-padrão de redação estabelecido para cuidar da questão indígena, exigindo para tanto, tão somente, maior responsabilidade do Governador-Geral e do Ouvidor quanto à questão. Sabe-se que as leis mencionadas não foram as únicas a tratar do tema no Brasil Colonial, todavia, cremos que os documentos aos quais nos referimos, por serem os mais importantes do gênero, fornecem valiosos subsídios para a suficiente compreensão do assunto em tela. 21.2.3 As Ordenações do Reino As “Ordenações do Reino”, também conhecidas como “Ordenações Reais”, constituíram-se numa abrangente consolidação de regras a versar sobre diversas matérias jurídicas que vigoraram em Portugal, entre os séculos XV e XVII. As sistematizações de Direito levavam o nome dos respectivos monarcas de cada período, assim, têm-se as “Ordenações Afonsinas” (1446), as “Ordenações Manuelinas” (1521) e as “Ordenações Filipinas” (1603), sendo esta última a que foi, notadamente, a mais importante para a história do Direito no Brasil. Essas célebres coleções legais reproduzem os parâmetros culturais de sua época na Península Ibérica. Quanto à forma, estrutura e apresentação, são divididas em cinco livros distintos, que organicamente lembram, guardadas as devidas proporções, as codificações hodiernas. A retórica jurídico-legislativa canônica, que bebeu na fonte do Direito Romano, é sobremodo abundante. As regras são discricionárias, reconhecendo os privilégios da fidalguia e a técnica jurídica empregada para a tipificação dos delitos e determinação das penas se mostra deficitária. O espírito medieval da Inquisição ainda norteia o corpo do texto, fundamentando a política de perseguição imposta pelos reis aos que não professassem o catolicismo (especialmente judeus e muçulmanos). As punições são, do mesmo modo, por demasiado cruéis e degradantes, assumindo castigos corporais diversos. A morte na fogueira constituía a tônica das correções previstas nas Ordenações Filipinas. 21.2.3.1 Ordenações Afonsinas (1446) A morte prematura de D. Duarte (1391-1438), vitimado pela doença após os insucessos da campanha militar em terras marroquinas, e a contínua reticência de Dona Leonor de Aragão (1402-1455) diante das atribuições próprias reclamadas pela Coroa de Portugal (o que significava o cumprimento de um desejo expresso por seu marido em testamento), exigiram que o país fosse governado circunstancialmente por D. Pedro, irmão do monarca e Duque de Coimbra (1392-1449), na condição de “Regente”, até o momento em que Afonso V (1432-1481), à época em tenra idade, estivesse apto a assumir as rédeas do governo, o que viria a ocorrer no ano de 1448. Certo é que o inesperado falecimento de D. Duarte redundou em sérias desavenças entre seu filho, o jovem monarca D. Afonso V, e D. Pedro, que não tardariam a dividir drasticamente as opiniões da sociedade lusitana, não podendo ser desprezado o enorme apoio angariado por este último nos vilarejos e nas cidadelas no interior do país. De todo modo, a dissensão entre os nobres culminaria na trágica Batalha da Alfarrobeira (1448), quando então D. Pedro, acusado de rebeldia, perde a vida ainda sob circunstâncias históricas pouco esclarecidas. Não obstante, é de conhecimento geral que D. Duarte, em seu exíguo reinado (cinco anos), já havia manifestado o ímpeto de tratar de questões legislativas, tendo D. Pedro conferido prosseguimento ao desiderato em questão. A criação das sobreditas leis alcança justificativa logo em seu prefácio729, que dá conta das origens da independência da pátria, da necessidade de se prover a nação lusitana com uma legislação própria, em função da soberania alcançada logo após a secessão conseguida junto ao Reino de Leão. Assim, do monumental trabalho levado a cabo pelos jurisconsultos João Mendes e Ruy Fernandes surgem as “Ordenações Afonsinas” de 1446, a primeira coleção de leis a despontar dentro do conjunto sistemático e quadro maior das “Ordenações Reais”, que, conforme era de se esperar, receberam tal nome apenas em homenagem ao anunciado reinado de D. Afonso V, não sendo devida a este, contudo, a iniciativa de compô-las. Por último, porém, não menos importante, é a tempestiva observação feita por Cândido Mendes de Almeida730, que rechaça a opinião de outro jurista notável, Jeremias Bentham, não aceitando a alegação deste de que o “Código Dinamarquês” (1683) seria o “o mais antigo da Europa”, tendo em vista que à época Portugal já possuía três codificações (duas em plena vigência, as Ordenações Afonsinas [1446] e Manuelinas [1521] e uma ainda restando inacabada – o “Código Sebastiânico”). A razão para tal equívoco, sugere o autor, reside no fato de que o “Código Afonsino” só foi publicado em 1792, o que trouxe completa ignorância à sua existência no continente e, por que não, também aos cidadãos do próprio país onde foi elaborado. 21.2.3.2 Ordenações Manuelinas (1521) As Ordenações Manuelinas entram em vigor em 1521, ano da morte de D. Manuel (1469-1521), sucessor de D. João II (1455-1495). À época de seu reinado, Portugal assumiu progressivo e destacado papel no contexto mundial, marcado pelo auge da saudosa “Era dos Descobrimentos”. Entretanto, foi justamente sob o signo de D. Manuel que o país teve sua história maculada pela morte e perseguição de milhares de judeus lusitanos. O massacre de 1506, ocorrido na cidade de Lisboa, seria um dos episódios mais dramáticos e sangrentos suportados pela nação israelita em terras ibéricas. Fato é que o monarca desde cedo manifestou clara intenção de rever a legislação de seus antecessores. Os trabalhos começaram em 1506, sendo inicialmente confiados aos juristas João Cotrim, Ruy Boto e Ruy da Grã. Duas versões foram apresentadas, uma em 1513 e outra no ano seguinte, mas somente em 1521 lograram vir a lume em sua feição definitiva. Isidoro Martin Júnior, ao se referir à dita compilação, levanta duas motivações que levaram D. Manuel a se convencer da necessidade de produzir novas leis. Explica o autor que “a conveniência de consolidar o poder majestático pela afirmação cada vez mais constante da pro e preeminência do direito romano entre as fontes do direito nacional” e “a vaidade pessoal do monarca, delirante no meio das grandezas com que lhe douravam o cetro, os sucessos dos seus navegadores, eram sugestivas demais para que o venturoso rei pudesse fugir à tentação de submeter as Ordenações Afonsinas e os decretos extravagantes a uma revisão, seguida de codificação nova”731. 21.2.3.3 Ordenações Filipinas (1603) De particular importância para a construção da história do Direito no Brasil é o Livro V das Ordenações Filipinas, que trata de matéria criminal, e por esta mesma razão nos deteremos mais demoradamente em sua análise. O nome da compilação é devido a Filipe III de Espanha (1578-1603), chamado de Filipe II em Portugal, quando os dois reinos ibéricos estavam unidos sob seu governo. O objetivo da edição era o de conferir nova atualização ao ordenamento jurídico, naquele momento adequado à vigência por domínios ainda mais vastos. Antes de qualquer coisa, importante seria ressaltar ao leitor que, por diversos motivos dos quais falaremos, não estamos diante de uma moderna codificação de direito penal, ao menos, conforme as conhecemos na atualidade. Há total discricionariedade na aplicação das penas visando assegurar aos nobres o gozo de seus privilégios nobiliárquicos, fruto maior da herança da estirpe. O desconhecimento do “princípio da isonomia”, como se poderá notar a partir da leitura dos dispositivos legais selecionados nas Ordenações Reais, é à época completo. Do mesmo modo, ressalte-se não haver aqui qualquer distinção entre “crime” e “pecado”, o que faz com que o próprio Estado assuma a dianteira quando se tratar da execução das punições previstas para os infratores do Direito Eclesiástico. Por toda a Península Ibérica não se admitia, igualmente, a realização de qualquer forma de culto ou fé que não fosse aquele autorizado pela Igreja Católica Apostólica Romana. O objetivo aqui não será o de abordar todo o vasto conteúdo presente nas Ordenações Filipinas, o que seguramente renderia uma obra à parte, mas apenas o de vir a tratar de alguns de seus pontos fundamentais, sempre mantendo a intenção de se conceder ao leitor um breve panorama sobre as características principais do mais célebre e histórico diploma legal português a viger no Brasil Colonial. a) Crimes contra os dogmas e a fé As terras que constituíam a “Lusitânia” não eram propriamente parte de um reino laico no século XVII, época das Ordenações Filipinas. Os ideais iluministas haviam demorado muito a penetrar na rígida cultura aristocrática portuguesa, e a Igreja Católica, historicamente, sempre exerceu papel de relevo e proeminência no meio social. Destarte, não seria de se surpreender que as regras previstas nos cânones encontrassem alento na legislação do Estado. Daí previsão de punições para os “crimes-pecados” da blasfêmia e apostasia. Ambos encontram sua mais remota origem no Direito Hebraico732. As penas previstas para todos os que incorriam no cometimento de tais delitos, consoante a tradição jurídico-normativa da época, eram condicionadas à classe e ao status quo do indivíduo. Aos nobres, como era de se esperar, eram reservadas punições infinitamente mais brandas que se resumiam ao pagamento de penas pecuniárias e degredo (por um ano). Qualquer que arrenegar, descrer ou pesar de deus e de sua santa fé, ou disser outras blasfêmias, pela primeira vez, sendo fidalgo, pague vinte cruzados e seja degredado um ano para África. E sendo cavaleiro ou escudeiro, pague quatro mil réis e seja degredado um ano para a áfrica (livro v, 2) E se for peão, dêem-lhe trinta açoites ao pé do pelourinho com baraço e pregão, e pague dois mil réis (livro v, 2)733. b) As discriminações impostas aos judeus e mouros Seria uma tarefa difícil para qualquer pessoa que se dedique ao tema delimitar com segurança a extensão dos danos causados pelas perseguições religiosas ocorridas entre os séculos XV e XVIII na Península Ibérica. Ainda por ora, sabe-se que não existem dados precisos capazes de revelar o contingente numérico relativo às comunidades judaicas presentes em solo português ou espanhol. Entretanto, imagina-se que os dois países tivessem cerca de vinte e cinco, ou, quiçá, trinta por cento de sua população composta por pessoas de origem semita. Estas colônias estavam lá estabelecidas há séculos, talvez, desde a queda do Segundo Templo em 70 da Era Comum ou, até mesmo, bem antes disso. Com o Édito de Expulsão de 1492 sob o selo de Fernão e Isabel – os “Reis Católicos” –, milhares de pessoas buscam asilo em Portugal, junto à proteção de D. Manuel. Mas, como se sabe, o monarca estava mais interessado em desposar a herdeira da realeza espanhola, o que de fato acontece no ano de 1496. O casamento real mudaria novamente a sorte dos judeus ibéricos, redundando no que Hans Borger, em cores muito vivas, retrata como sendo o “Epílogo Lusitano”

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